Matéria do jornal O Globo expõe os riscos da proteção veicular

Seguro para carros é visto como investimento
agosto 5, 2019

Matéria do jornal O Globo expõe os riscos da proteção veicular

Aumento de roubos e crise econômica são dois combustíveis que impulsionam um mercado de proteção paralelo ao de seguro, que preocupa entidades de defesa do consumidor e divide o Congresso Nacional. A proteção veicular — primeiro produto negociado por cooperativas e organizações sem fins lucrativos —, com preço e garantias muito menores do que os do seguro tradicional, já acumula 200 processos administrativos na Superintendência de Seguros Privados (Susep) e 180 ações civis públicas de autoria do órgão regulador.

Todos esses documentos estão sendo analisados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, para a instauração de uma investigação preliminar sobre o segmento, que tem ampliado a oferta de produtos para outras áreas, como vida, previdência privada, celular, assistência funerária e até saúde. Já a Susep vai criar um grupo de trabalho sobre o tema.

“Os consumidores são seduzidos pelo valor baixo e não percebem que estão comprando um produto sem garantias. Por mais que pareça um seguro, não é. Já há reclamações nos Procons. O consumidor tem que saber o que está comprando e ter de fato a proteção prometida”, ressalta Ana Carolina Caram, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), vinculado à Senacon.

Armando Vergilio, presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados (Fenacor), se preocupa com a diversificação desse mercado: “Esse mercado começou a atuar oferecendo proteção veicular, principalmente para caminhoneiros, agora se espalha perigosamente para a proteção patrimonial, de vida e saúde. Muitos consumidores têm batido à nossa porta pedindo ajuda por falta de cobertura. Estamos pensando até em conversar com o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para impedir a propaganda enganosa feita por essas associações”, afirma.

Cliente compartilha risco e rateio dos custos

A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) afirma que existem “mais de cinco mil cooperativas e mutuais focadas em seguros — veículos leves e de carga, vida, funerário — atuando em todo o mundo, visto que em 77 países essa prática é regulamentada.” O número de membros e beneficiários chega a 915 milhões e corresponde a 24% do mercado global de seguros, segundo a organização. A OCB destaca que, no modelo cooperativo, o cooperado divide os bônus e ônus da operação e não é considerado um consumidor.

É essa diferença, diz Roberto Bittar, presidente da Escola Nacional de Seguros, que não fica clara na hora da venda do produto. “O mútuo feito pelas cooperativas pode existir, mas tem que ficar claro para quem entra neste modelo que o valor da mensalidade é mais baixo porque ele está compartilhando o risco. Ou seja, se o dinheiro em caixa não for suficiente para cobrir os sinistros dos cooperados, esse custo será rateado e ele terá que pagar. Além disso, se é um mútuo, tem que atender aos cooperados, em associações específicas”.

O vendedor Thiago Tavares fez um contrato de proteção veicular para sua moto Yamaha, ano 2014/15, junto à Unibras. No dia 18 de fevereiro de 2016, quinze meses após iniciar o financiamento, a moto foi roubada. Imediatamente, a cooperativa foi informada e acionou o sistema de rastreamento. Depois de esperar um mês e meio pelo resgate da moto, segundo a empresa um procedimento padrão, teve que desembolsar R$ 400 em documentos para receber o que havia pago pela moto (R$ 14.831,74). A baixa do financiamento ficou por conta da Unibras, que não quitou o empréstimo bancário, o que levou o nome de Tavares ao cadastro de devedores:

“A Unibras mandou que eu parasse de pagar o financiamento, pois iria quitá-lo. Mas não cumpriu o acertado. A revendedora já protestou meu nome e ameaçou penhorar algum bem que eu tenha para abater a dívida”, conta o vendedor, admitindo que, apesar da experiência ruim, voltou a fazer um contrato de proteção veicular para o carro novo com outra cooperativa. “Sem dúvida, tenho receio de que volte a acontecer o mesmo, mas, se optasse pelo seguro tradicional, teria que desembolsar o dobro”.

Consultada, a Unibras não enviou resposta sobre o caso.

David Nigri, advogado de Tavares, diz que são frequentes os relatos como o do seu cliente. “A maioria, porém, não recorre à Justiça porque não tem dinheiro sequer para bancar as custas iniciais do processo, em torno de R$ 1 mil. O fato é que esse modelo de proteção, seja para carro, celular, funeral, não dá garantias ao consumidor”.

Márcio Coriolano, presidente da Confederação Nacional das Segurados (CNSeg), diz que a entidade está avaliando a realização de uma campanha nacional de esclarecimento, a começar pelos estados onde esse mercado mais cresce: Rio, Minas Gerais, São Paulo, além do Distrito Federal. “Há mais de 140 denúncias em andamento. São casos que vão de proteção veicular a associações que vendem reparo e manutenção de equipamentos eletrônicos, seguro de saúde e vida. Nesse modelo, o consumidor assume todo o risco, por isso é tão barato— explica Coriolano”.

Projeto contra e a favor

O promotor Sidney Rosa, subcoordenador do Centro de Apoio das Promotorias do Consumidor do Ministério Público do Rio, apesar de entender que é possível a oferta de proteção por cooperativas e associações, teme que, sem que se siga a regulação de seguros, esse mercado se torne insustentável e traga grande prejuízo aos consumidores:

“Qualquer empresa pode ter um fundo de reserva para cobrir eventuais imprevistos. A criação de uma associação para resguardar eventos futuros e incertos, a meu ver, contudo, se assemelharia bastante a uma seguradora. Há projetos de lei em curso que abrem espaço para o retorno das falsas seguradoras, que, estabelecidas na forma de associações, oferecem contratos de seguros sem observar as regras determinadas pela regulação do setor, deixando, muitas vezes, o consumidor sem a reparação esperada”.

Amanhã, a regulamentação da atividade, proposta pelo projeto de lei 4.844/2012, vai receber parecer favorável do deputado Covatti Filho (PP/RS), relator do PL. Enquanto isso, uma Comissão Especial criada para debater o tema na Câmara realiza, no dia 24, a primeira audiência pública sobre o PL 3139/2015, de autoria do deputado Lucas Vergilio (SD/GO), que defende a criminalização da oferta desse tipo de proteção, considerada pelo mercado um “seguro marginal”.

“A principal preocupação da Comissão Especial é não deixar o consumidor na mão. Mas não sabemos se a solução é proibir, já que há mundo afora cooperativas e associações que prestam esse tipo de serviço. Se tiver uma regulamentação e informação ao consumidor, temos que avaliar. De qualquer forma, é outro perfil de produto, diferente do seguro”, diz o deputado Rodrigo Martins (PSB/PI), presidente da Comissão Especial que cuida do tema e da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara.

Martins diz que está sendo estudada a possibilidade de os demais projetos ligados ao tema, em trâmite na Câmara, serem incluídos na análise da Comissão Especial. O deputado Lucas Vergilio está entre os que defende a análise conjunta dos PLs. “Estão todos preocupados com preço e acesso, não com a garantia. E esse mercado marginal está se expandindo sem segurança e fiscalização”.

Fonte: O Globo

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